Entre Harvard e Uganda há o
SE(E)R
Quinze anos se
passaram desde que a primeira edição da Psicanálise & Barroco foi publicada na web.
Idealizada pela Profª Denise
Maurano durante sua passagem pela Universidade Federal de Juiz de Fora, a
revista nasceu em 2003 pelo esforço conjunto da equipe que compunha o Núcleo de Estudos e Pesquisa em
Subjetividade e Cultura. Em 2010 passou a compor o quadro de periódicos da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO), onde se encontra vinculada à linha de pesquisa Memória, Subjetividade
e Criação do Programa de Pós-Graduação em Memória Social.
Recentemente,
a Psicanálise & Barroco em revista
migrou para o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), um software desenvolvido
para a construção e gestão de uma publicação periódica
eletrônica.
Esta ferramenta contempla ações essenciais à automação das atividades de editoração de periódicos científicos. Recomendado pela CAPES, o
processo editorial no SEER permite uma melhoria na avaliação da qualidade dos
periódicos e uma maior rapidez
no fluxo das informações. Esse
sistema, além de garantir a autonomia
da gestão das edições pela equipe, permite que a revista esteja em conexão com
os principais indexadores da América Latina.
Há
muito ansiávamos por essa migração, mas diversas questões de caráter estrutural
adiaram esse projeto que agora então se concretiza. Certamente a ampliação de
nossa equipe e a dedicação de seus membros foram cruciais para a realização
desse intento. Em nosso país, sobretudo em tempos sombrios como os que vivemos
agora, conseguir avançar projetos de natureza cultural, diante da difícil
tarefa de atendermos a exigências que encontram-se no nível da Universidade de
Harvard, com condições de trabalho, muitas vezes similares as de Uganda, é um
exercício que nos testa diariamente. Por isso, vencer os obstáculos,
conseguindo ainda melhorar nossa qualidade, é motivo de satisfação ainda mais
especial. Nossos valores humanos são nosso maior patrimônio, e nesse sentido a
afinação de nossa equipe tem orquestrado essa nossa partitura. Assim, há muito
que comemorar!
Na décima sexta edição da Psicanálise &
Barroco em revista, apresentamos a nossos leitores uma seleção de artigos que foram agrupados em duas seções: uma de
artigos temáticos, no caso, psicanálise e literatura, e outra de temas livres
que contemplem os saberes que privilegiamos.
Na
seção de artigos temáticos, a
interlocução entre psicanálise e literatura é privilegiada por quatro
autores. Em “Entre dores: Judith e Florbela”, a autora Eliana Luiza dos Santos Barros, munida de uma
sensibilidade que lhe é peculiar,
retoma a obra dessas poetisas portuguesas, para mostrar como a escrita literária é um canal possível para dizer sobre a
dor que atravessa o universo das mulheres. A autora indica a existência de um encontro entre a
escrita de Judith e Florbela e a psicanálise, na medida em que
ambas constroem um saber sobre a dor de
existir.
Esse
caminho também foi
seguido por Tiago Antonio Sampaio em “Poesia
e Psicanálise: um possível diálogo entre Manoel de
Barros, Freud e Lacan”. O autor, inspirado pelo
texto freudiano “Escritores criativos e devaneios” e pelo conceito lacaniano de objeto a, lança um olhar sob a singularidade na poesia de Manoel de Barros, mostrando que seus
poemas retratam o sujeito em sua simplicidade, incompletude, ao mesmo tempo que
propõe o homem como funcional, mesmo quando ele perde seu lugar idealizado.
Tiago também mostra que qualquer “conduta que idealize o homem, a vida e
principalmente a felicidade”,
encontra-se na contramão tanto da poesia manoelesca quanto da
psicanálise.
Em “Quando eu
perdi você, ganhei a aposta: amor e desejo na novela
A Dócil
de Dostoievski”, as autoras
Caciana Linhares Pereira, Camila de Souza Ricarti e Roseane Torres de Madeiro mostram
como uma obra literária pode
retratar o modo de operar do psiquismo humano, antecipando descobertas feitas
por Freud a partir da clínica. As autoras destacam como, na novela,
a intricada relação entre o desejo e o amor evidenciam detalhes relacionados à dinâmica da neurose obsessiva, indicando a presença de
um impossível na experiência amorosa.
A literatura também serviu de balizamento para Camila de Freitas Moraes e Roseane Torres de
Madeiro, na construção do artigo “Violência conjugal e ciúme numa perspectiva psicanalítica a partir de Otelo – O mouro de Veneza”. A
obra shakespeariana que aborda o tema dos ciúmes a partir da história de Otelo e Desdemona foi retomada pelas autoras para pensar o problema
da violência conjugal pela perspectiva da psicanálise. Elas investigam como a subjetividade
de cada sujeito se apresenta na relação amorosa, quando ocorre um ato de violência contra a mulher em decorrência do ciúme. A partir de um percurso em Freud,
destacam como o ciúme se
apresenta como um afeto intimamente vinculado à noção de desamparo primordial, um fato que é inerente à condição humana.
Na seção de artigos
livres, destacamos o artigo “Corpos que caem: adolescência,
prisão e
psicanálise”, de autoria de
Adriele Cardoso Sussuarana, Alba Caroline Tavares dos Santos e Aleson Hernan
Morais dos Santos. Os autores retratam sua experiência com adolescentes cumpridores de medidas sócio-educativas que se encontram em situação de privação de liberdade na cidade de Macapá-AP. O relato destaca como um trabalho em
que a intervenção com exercícios
corporais, abriu caminhos para a instalação de um dispositivo clínico de escuta desses adolescentes. A ênfase do texto recai para a afirmação de que a psicanálise não pode ser reduzida ao espaço clínico do consultório, podendo balizar com seu referencial
teórico praticas que evidenciam sua eficácia, sobretudo no campo social.
Bruno Wagner D’Almeida de Sousa Santana defende em seu
texto “Totem e Tabu: vida
cotidiana”, a ideia de
Freud não se alia a uma gama de pensadores que defendem progresso da razão, da
civilização e da humanidade, como afirma. Ao contrário, para o autor, Freud na verdade teve como foco
um olhar sobre o mal-estar que surge como um preço a ser pago pelo homem pelo
surgimento da civilização. Bruno Wagner ressalta que essa perspectiva resulta
do fato de Freud ter vivido no período em que deflagraram as duas grandes guerras mundiais que assolaram a
humanidade, colocando em xeque toda racionalidade humana, ao mesmo tempo que
evidenciaram a linha tênue que separa a civilização da barbárie.
Ainda nessa edição,
destacamos o texto “Um
estudo sobre a melancolia: breve percurso da psiquiatria à psicanálise freudiana” de autoria de Gladson Henrique Silva, onde
encontramos um breve histórico a respeito de
como a melancolia era pensada pela psiquiatria, até o momento do surgimento da psicanálise quando uma nova maneira de enxergar
essa patologia foi introduzida por Freud. O autor ressalta o percurso de
teorização freudiana, quando inicialmente Freud pensava a melancolia como um
quadro que compunha as neuroses narcísicas, para tempos depois, situá-la no contexto das psicoses.
Em “A metapsicologia do recalque”, Carlos Eduardo Rodrigues, Cassiano
Carlos Antônio de Oliveira,
Daniela Paula do Couto, Elizabeth Fátima Teodoro, Felipe Alcides Gonçalves Ribeiro, Geane Moares Coelho, Mardem Leandro Silva e Roberto Lopes Mendonça, participantes de um grupo de pesquisa que
investiga os conceitos fundamentais da psicanálise, retomam com rigor a
temática do recalque, evidenciando sua
importância para a regulação da pulsão e sua função na estruturação do psiquismo humano.
A seguir, Barbara
Sinibaldi, Gabriel Pavani Brandino e Thassia Souza Emidio apresentam uma
interessante exposição a respeito da temática do feminino em “A psicanálise de Freud e a psicanálise de hoje: as vicissitudes do feminino
na era dos extremos”. O
trabalho trás reflexões a
respeito do que mudou na atualidade, em relaçao ao que foi formulado por
Freud, na visão dos psicanalistas,
acerca da abordagem do feminino, e da própria concepção de mulher. O objetivo dos autores é evidenciar como em cada época a realidade social interfere na
construção de um saber sobre o feminino, muitas vezes relacionado de forma
equivocada, a questão do gênero. Por fim, Joyce Bacelar Oliveira
retoma o conceito psicanalítico
de transferência em “The nuances of demand in the analytic
discourse: a lacanian perspective”, para pensar a questão da entrada em análise a partir do momento em que o sujeito formula
uma demanda de análise. A
autora, a partir do ensino de Lacan,
destaca alguns aspectos relevantes do manejo da demanda pelo analista na
condução do tratamento.
Fechamos a edição com uma interessante resenha escrita por Bruno
Albuquerque, do livro “Experiência Mística e psicanálise” de autoria de
Ricardo Araújo, publicado pela editora Loyola em 2015. Bruno percorre a
obra apontando como a consistência teórica do autor surpreende o leitor à
medida em que distingue de forma particularmente clara o campo da mística do
campo da psicose.
Uma excelente leitura!
Por Denise Maurano e Joana Souza.